Liberte-se
A chuva caia lá fora como caia dentro dela o choro, a tristeza, o medo e a loucura. Ela ligou o chuveiro para esconder, para não se ver, para livrar-se.
A palavra “liberte-se” estava em toda esquina, na boca de todos aqueles conselhos vazios e em todos os filmes da sessão da tarde. Ela sabia o que fazer, mas a palavra não vinha com manual de instruções, não existia um plano de um mês ou dez passos, você não ganhava uma medalha no final, apenas mais um trator carregado de problemas para um “fundir-se”.
Não ter mais vontade de sair não era característica da depressão dela, mas sim mais uma das consequências do fim. Ela sabia que ela não controlava a sua vida, não controlava as ações dos outros, sabia que o mestre das marionetes estava se divertindo muito quebrando as suas pernas de ano em ano. E não tinha nada que poderia fazer sobre isso, na teoria.
Na prática as coisas mudavam, ela abria os olhos e se enchia de frases motivacionais como “a felicidade é uma escolha” e acreditava com unhas e dentes que era dona do seu destino, apenas para mais uma porta bater em sua cara. Ela tinha esperança de mais.
Você culparia ela de desistir ? Jogaria pedra se soubesse de todos os dias que inundou o seu apartamento com lágrimas, e todas as pessoas que deram motivo para ela fazer isso e que não ficaram para ajudar a secar os móveis ? Seria justo?
No final do dia ela era apenas uma mulher normal que não cabia na caixa dada a ela, ela contestava tudo e todos e ouvia claramente sua mãe gritando na sua cabeça que ela se deixava levar muito fácil, que deixava os homens brincarem com seu coração de propósito, que ela escolheu ser assim e por isso merecia ser tratada assim.
Mais uma vadia que não pertencia a ninguém, que era de uso de todos, que o único crime que cometia era de acreditar que o amor era o único motivo da vida, que não sabia o que era “ficar” porque em sua cabeça namorava todos aqueles que beijava. Ela era ingênua de mais.
O amor para ela era como oxigênio. No sentido bom e ruim da frase, ela como todos precisava do oxigênio para viver, e tinha consciência que é ele que a mata, que a envelhece. Mas não se importava.
Nada de interessante acontecia em sua vida, era lenta de mais e ela nunca se atrevia em sair da rotina, tinha um emprego dos sonhos de outra pessoa, morava em um apartamento minúsculo que nem a sua dor cabia. Ela ia se deitar todas as noites sozinha e acordava todas as manhãs pensando que não suportaria outro dia.
Ela não se parecia com nenhuma das mulheres nas revistas, e mesmo achando isso um meio de protesto, ela fazia todos os testes, dietas loucas e rotinas de exercícios que essa mesma revista mostrava. Ela queria provar o seu valor de todas as formas possíveis, mesmo que tivesse de gastar o dinheiro do café da manhã na nova bolsa da moda, porque se estava nos outros e eles chamavam atenção assim, ela precisava também.
Ela estava cansada. Ela não via mais sentido em ser ela mesma. Ela não queria acordar mais um dia e sofrer por muitos outros. Ela pensou em pular, as pontinhas dos dedos balançaram na beirada do telhado. Mas ela não teve coragem, se deitou ali mesmo e chorou como se fosse curar todas as suas feridas, no dia seguinte estavam levando ela para o hospital, estava frio, mas sempre estava frio para ela.
Ele a achou, ele ajudou a catar todos os pedaços quebrados do seu coração, ele foi o médico dela e o melhor amigo. Ele a amou desde o primeiro dia, ele não via todos os defeitos que a vida e ela mesma haviam colocado nela, para ele, ela era perfeita. Ele chegou com a frase “tudo que você precisa é amor” e ele deu isso à ela, e ela se deixou dar longos suspiros porque envelhecer ao lado dele não lhe pareceu assim tão ruim. Fundiu-se uma última vez.
Notas da autora
Mesmo que hoje seja o último dia do setembro amarelo, você assim como eu podemos fazer a diferença todos os dias. Eu escrevi o último parágrafo com esperança no coração, uma esperança que não existe em todos. Escreva o último parágrafo na vida de alguém, de amor à todos ao seu redor, até aqueles que parecem não merecer.
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