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By domingo, setembro 01, 2019

'' — my greatness scares you? — not, excites me.''


         Ela deixou a taça de vinho na mesa depois de dois bons goles, seus pés estavam em cima da cadeira, seu casaco arrastava no chão, seu cabelo se enrolava entre os dedos enquanto ela olhava ao redor.  Caos. Era apenas isso que ela conseguia perceber, não que sua casa tenha sido palco para uma cena de guerra, ela via além, ela se via sozinha em uma noite de sexta, exausta, com uma pilha de roupas para lavar, livros espalhados que ela ia ler, mas nunca tinha tempo. Ela via as melhores coisas da sua vida espalhadas pelos cantos, empoeiradas.
Ela ria de si mesma rodeada pelo caos, porque era isso que ela queria, desde que era menina, ela queria ser adulta, ter seu espaço, tomar as suas próprias decisões. Todos haviam dito a ela que ser adulto era ruim, que teria muita responsabilidade, mas ninguém disse o quão vazio que era, ninguém disse que para poder tomar as próprias decisões teria que ser pisoteada por tanto tempo que perderia a mágica.
Mas era isso, não era? Era isso que todas as pessoas que passavam por ela apressadas todas as manhãs, que se apertavam no metrô, era isso que todos sentiam, aquela vontade borbulhante que começa no coração, caminha pelo pulmão e para na garganta em um grito mudo, um grito de desespero.
O telefone dela vibrou em sua bolsa pendurada perto da porta, ela sabia que eram as amigas a chamando para ir naquele bar de sempre, pagar muito caro em drinks que não enchiam a sua vontade de se jogar. Ela pensou em o deixar tocar e tirar a noite para si própria, mas risadas falsas encheriam mais do que aquele silêncio caótico.
        Então ela se levantou, abandonou o casaco quente, sentou no vaso para colocar a meia calça e se olhou no espelho manchado de pasta de dente e forçou um sorriso, porque ela tinha que pelo menos se gostar. Passou seu batom favorito, encheu os olhos de glitter e colocou o seu vestido decotado, se sentiu como uma palhaça vestida para um show, mas era assim que todas se vestiam e ela odiaria o constrangimento de ser a única de jeans e camiseta.
Acabou sua taça de vinho, tomou duas shots de tequila barata, ela queria dançar.
Suas amigas pareciam versões da mesma pessoa, versões das blogueiras do instagram, e era só sobre isso que falavam, nem parecia que todas tinham empregos maravilhosos e que estavam no caminho certo para serem quem deveriam ser, só precisavam achar aquele homem perfeito para as sustentarem e jogarem a carreira pelo qual trabalhavam tanto pelo lixo, para serem mães. Mães com babás.
         -Vocês viram que o gato de all star está sem nenhuma minissaia pendurada no braço hoje ?
Elas todas se viraram ao mesmo tempo para olhar o gato da mesa de fundo, e sem ser nem um pouco discreto ele piscou para as cinco, e ela pensou que seria o sonho dele ter as cinco e elas provavelmente concordariam.
-Vamos dançar? - ela disse.
Então elas se jogaram na pista, ou melhor, deram dois passos para lá e dois para cá, rebolando quando a música pedia, fazendo pose para todos que quisessem olhar, mas ninguém olhava.
Mas ele estava olhando, o cara gato do all star, estava olhando diretamente para ela com olhos de quem queria e precisava. Ela decidiu o ignorar, decidiu sair dos passos combinados e se jogar de verdade, decidiu ser mais do que comum.
Durou a noite toda, o sentimento de ser quem ela realmente era, e ela acordou na manhã seguinte catando all stars do chão, entregando para o dono enquanto o expulsava ele e a ideia de tudo que ele representava. Abriu a sua geladeira e seu armário e se irritou por ter que sair para comprar comida, como sempre.
Ela fez o caminho de sempre para a padaria, deu bom dia para a mesma mulher que ficava no caixa, pegou a mesma cesta e começou a recheá-la de tudo que tinha carboidrato e glúten demais para ser aceito, e enquanto se abaixava para pegar o pão de canela que estava no fundo ela o viu pela fresta da porta e o seu corpo se arrepiou. Ele estava todo sujo de farinha, suado pelo trabalho de sovar o pão, mas ele sorria tanto para o que estava fazendo, como se amasse aquilo de verdade, como se não tivesse que ser pisoteado para tomar suas próprias decisões.
Isso não era uma coisa que ela fazia, ou achava aceitável fazer, mas ela bateu na porta e disse “oi”, ele sorriu e respondeu o seu oi perguntando se ela precisava de alguma coisa e em sua cabeça ela gritou que precisava de tudo, que precisava de vida em seu apartamento, precisava de se livrar da profissão errada, das roupas que odiava, da ideia de bem estar que todo mundo gritava, mas que principalmente, ela precisava da paz dele. Mas tudo que ela conseguiu responder foi que precisava de mais pães de canela.
        E como se adivinhasse que ela precisava de tudo que ele tinha, ele não a entregou os pãezinhos, mas lhe fez uma promessa, a promessa de uma cesta cheia deles se ela o esperasse trocar de roupa para ir comer-los com ela.
        E tudo mudou, melhorou, retomou sua mágica. Ela entendeu que não queria ser adulta para ter seu espaço, ela queria ser adulta para aprender a amar assim, amar com gosto de para a vida toda.

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